Tenho colegas com filhos pequenos. Uma delas tem uma menina com paralisia cerebral, que nasceu bem ainda que prematura e que, por negligência, sofreu um enfarte cerebral. Tiram-lhe a respiração artificial antes de tempo. Nunca vi ninguém com tantos tomates para encarar um problema assim. A miúda tem muitas limitações, não fala, não anda, enfim, mas esta mãe faz tudo com ela: desde andar em carrosséis, esquiar, o que possam imaginar. Pelo menos por enquanto, que tem 7 anos. Embora tenha outro menino mais novo, não faz distinções entre os dois, se um vai e pode, a outra tem o mesmo direito. E tem a plena consciência de que não será sempre assim, que o menino seguirá a vida dele, independente da irmã.
É portanto uma situação especial, que entendo e com a qual me enterneço.
Por outro lado, deprime-me que os temas de conversa de mulheres recém parideiras, sejam exclusivamente acerca das respectivas criancinhas, como se tivessem perdido a identidade, a sério...kanervos. E este pessoal ainda por cima, tem filhos em barda.
Há uns dias que ando a pensar numa mulher que esteve comigo na mesma enfermaria com 9 camas, quando a minha filha nasceu, na MAC. Há quase 19 anos. Marcou-me para sempre. Chegámos mais ou menos à mesma hora às urgências. Era Maio. Ela de raça negra (19 anos, soube depois) levava vestida uma camisa de dormir e um casaco comprido preto por cima. Chegou sózinha, pelo próprio pé.
Depois, ficámos juntas,(acho que não foi coincidência) ela também com uma menina, linda de morrer.
No meio das dores, da confusão de sentimentos e do deslumbramento pela minha "coelha", apercebí-me que a única visita que vinha para ela era uma assistente social. Que a camisa de dormir era a mesma. Não tinha cuecas.
Quando chegou a minha mala, peguei numas quantas coisas para ela e para a menina, (que me sobravam, exageros de marinheiro de primeira viagem) e fui ter com ela à cama. Confesso que ía aflita, não queria que ela me interpretasse mal, não era pena, apenas solidariedade.
Fiquei pior ainda, quando ela negou tudo com uma convicção espantosa. Com um orgulho cheio de dignidade.
Perguntei se podia ver a menina, dei-lhe um beijinho na testa e voltei ao meu canto desfeita em lágrimas.
Saíu do hospital com a mesma camisa de dormir e o mesmo casaco preto.
Mas com a riqueza nos braços e na alma.